Nada nesse mundo poderia me deixar mais sem reação do que aquele momento. O único pensamento que consegui formular ao ouvir o pé da mesa sendo arrastado pelo carpete desgastado e o frio que senti quando o toquei com a perna foi “nós não deveríamos nem mesmo ter começado essa coisa.”
Sempre tive curiosidade em participar de uma sessão do hoje bem popular “jogo do copo”, mas nunca tinha conseguido reunir vontade o suficiente para procurar alguém que costumasse fazer esse tipo de coisa. Quando conheci Jéssica, a nova vizinha, e depois de trocar algumas palavras sobre o assunto, sabia que seria ela a pessoa que me mostraria a brincadeira. Ela se mostrou bem interessada quando eu contei para ela a minha idéia e disse para aparecer em sua casa num fim de tarde qualquer.
No dia em que resolvi ir até sua casa para jogarmos, ela me levou até o seu quarto, onde disse que costumava ouvir sons estranhos à noite e que às vezes não a deixavam dormir, já que a casa era bem velha e ela morava ali há pouco tempo. Ela havia acendido algumas velas e colocado um esboço tosco de um tabuleiro feito em folha de ofício e um copo de vidro qualquer na mesinha de centro. Assim que nos sentamos ela apagou a luz e o ambiente se encheu da mais completa escuridão, deixando à vista apenas o tabuleiro, que agora era iluminado por uma fraca luz alaranjada. Contrariando o começo desse relato, na hora eu estava bastante excitada e posso dizer que também me mostrava um tanto cética para com tudo aquilo, já que nunca tinha passado por nada de muito extraordinário em minha vida.
Sem muita cerimônia, Jéssica me disse como começar o jogo e assim que havíamos começado ela começou uma série de perguntas:
-Tem alguém aí?
Eu sentia o copo vibrar sob o meu dedo e se arrastar por cada letra do tabuleiro, mas ainda assim acreditava que talvez fosse apenas Jéssica com algum truque ou brincadeira, querendo parecer interessante para uma garota da sua nova vizinhança. Três vezes o copo rolou sobre o tabuleiro, e depois trouxe nossos dedos gentilmente para o centro, com um tom quase de complacência.
“S-I-M.”
Jéssica perguntou novamente:
- Por que você está nessa casa?
Tenho a impressão de que a pergunta soou um pouco seca vinda de Jéssica, como se ela não estivesse à vontade com a brincadeira que costumava tratar com tanta naturalidade. Respondendo a sua maneira de falar, o copo agora pareceu mais pesado ao deslizar pelo tabuleiro, dando algumas travadas no meio do caminho,
“D-I-V-E-R-T-I-R.”
Foi aí que eu cometi meu erro. Deveria simplesmente ter ficado quieta e tentado aprender a maneira de Jéssica ao fazer perguntas, mas aquilo me soou tão simpático que acabei dizendo em voz alta:
-Quem você quer divertir, a gente?
Dessa vez eu pude sentir o copo realmente forçar nossas mãos ao deslizar pelo tabuleiro com uma precisão assustadora.
“E-U.”
Essa foi a hora em que eu senti a mesa tremer e bater de leve no meu pé, e foi nessa hora que eu senti aquele frio descendo pelas paredes do quarto. Eu simplesmente não sabia o que fazer naquele momento, mal podia encarar a expressão de espanto e de reprovação que estava agora estampada nas feições de minha nova vizinha. A única coisa que consegui fazer naquele momento foi ouvir o sussurro que vinha de sua boca e que confirmava o medo que ela estava sentindo naquele momento.
- Vamos encerrar o jogo.
E, para meu espanto, eu vi o copo deslizar três vezes novamente pelo tabuleiro, como para selar aquilo da maneira que havíamos começado. Só que desta vez nossos dedos não se encontravam sobre ele.
“N-Ã-O.”
O frio que eu sentia vindo das paredes do quarto de repente concentrou-se todo em nossa volta, e uma lufada de ar vinda de algum lugar que nunca saberei consumiu a chama da vela. Nesse momento criei forças para me levantar, esmurrar a porto e sair atônita daquele lugar. Nunca mais tive curiosidade de jogar o “jogo do copo”,e duvido que um dia volte a ter.